Resenha - a hospedeira

Comprei esse livro para mim no Natal de 2010. Foi um ótimo presente e um ótimo investimento. Mas, por conta de outros livros, e outras complicações da vida, só o li em 2020. Mas, melhor tarde do que nunca!

A bastante tempo que sou fã de Stephenie Meyer, e, como todos seus leitores, estou mais acostumado com o universo vampiresco dos Cullen e de Forks. É realmente notável o fato de Stephenie ter criado em relativamente pouco tempo tantos livros, livros volumosos, complexos, completos, que reinventam a literatura vampírica, e reviveu um novo estilo, que muitos já chamam de “Crespusculismo”. E, além de tudo isso, ela ainda cria outro universo, neste mesmo planeta, em conexão com outros, e nos dá ‘a hospedeira’. Quantos mundos Stephenie Meyer pode criar? Quantos mundos há para ela? Quantos ela tem?

A hospedeira e sua hóspede dividem nossas atenções, o mesmo corpo (como gêmeas siamesas, ou algo pior), e compartilham também seus sentimentos.

Ambas passaram por mudanças recentes em seus estilos de vida. Ambas tem lembranças e recordações, umas mais nostálgicas que outras. Ambas tem desejos, e impulsos, de ficar, na terra, no corpo. De lutar pela vida e pela humanidade.

Toda essa história, de ficção científica (há controvérsias) parece ser um apelo à humanidade, pela humanidade.

No livro resenhado, a civilização humana perde espaço para criaturas extraterrestres, que pouco a pouco tomam os corpos humanos, e passam a se comportar como uma sociedade perfeita - mais perfeita que a Utopia (T. More) ou a sociedade democrática de deuses (J. J. Rousseau) - e ninguém percebe! Ninguém salvo uns poucos, que conseguem evitar sua captura e formam resistências à invasão alienígena.

Melanie, a hospedeira, tem seu corpo ocupado por Peregrina, sua hóspede. Esta, inclusive, se mostra bastante incomum em relação aos demais invasores - que se autodenominam “almas”, e são um misto de usurpadores e preservadores. A hospedeira, de forma rara, sobrevive à chegada de sua hóspede, surgindo uma ligação inexplicável entre elas. Por causa dessa ligação, a hóspede arrisca suas vidas compartilhadas ao fugir à sua sociedade para unir-se à resistência à qual a hospedeira pertenceria, mas que nunca chegou a integrar. 

Ciúmes, fome, raiva; dor física, emocional, e mental; medo, alegrias, e sensibilidades; solidariedade e altruísmo (comuns, às personagens de Stephenie Meyer). Tudo isso é compartilhado entre hóspede e hospedeira. Mais que irmãs.


E não é só nas protagonistas que Stephenie explora a complicada (às vezes apaixonante, às vezes revoltante) natureza humana. Também nos personagens coadjuvantes a questão é abordada. O “médico”, com seus métodos tão rudimentares, e suas crises de consciência e sua bondade. Jeb com seu aguçado senso de justiça, de prudência, e de governo. Magnólia e Sharon, com seu forte instinto de autopreservação, que as faz por vezes ignorar a racionalidade, apegando-se a remorsos. Kyle, inexplicavelmente bruto. Ian e Jared, os amores da hóspede e da hospedeira, respectivamente (não os vá confundir, ou elas enfurecem!), com seus ciúmes, seu amor, suas dúvidas, suas melancolias. Jamie, tão criança, tão crescido. Dá curiosidade de saber como eles seriam sem nada disso, se tivessem podido viver suas vidas normais. Teriam as mesmas virtudes, os mesmos defeitos?

Stephenie Meyer, como sempre, carrega a narrativa com descrições sensoriais, graduais, dadas à medida que a hospedeira e a hóspede vão percebendo o ambiente, as pessoas, e a si mesmas.

Toda a narração e a descrição é extremamente psicológica - o que também ocorre nos livros da Saga Crepúsculo, exceto pelo recentíssimo e intrigante ‘sol da meia-noite’. O centro de tudo está na mente de Peregrina, a hóspede. Ela se explica, se narra (no tempo passado e no presente).

Por isso às vezes certos acontecimentos são escritos com tantos detalhes. Tudo é relatado com todas as percepções da narradora. A caminhada pelo deserto, a emboscada de Kyle, o julgamento de Kyle, etc. Stephenie tem um dom para fazer esse tipo de escrita - faz o leitor mergulhar no personagem, ver com seus olhos azul-prateados, ouvir pelos seus ouvidos, e pensar com ela, conhecendo seus pensamentos e sua sinceridade.

Por isso também Stephenie Meyer provoca grande empatia no leitor para com a hóspede, Peregrina se torna uma heroína, um exemplo de humanidade, mesmo sem ser humana (algo que lembra a ‘O homem bicentenário’). Simpatizamos com suas crises, sofremos com ela, com seu cativeiro, duplo cativeiro, e essa simpatia, essa empatia, essa compaixão, tem seu ápice quando o desejo da hóspede de ser humana, depois de experimentar tantas vidas e tantos mundos, por fim, cede ao direito da hospedeira de sobreviver. Mas a criatividade faz com que as irmãs possam seguir juntas, vivendo em corpos separados.

Em parte, a hospedeira dá nova vida à  hóspede por gratidão, pois outra alma a teria sufocado, e permanecido entre os seus, além de delatar sua família. Mas também por admiração - um ser tão bom, não merecia ser jogado fora, mesmo que desejasse.

Hospedeira e hóspede tem um final feliz, e ‘a hospedeira’ termina com esperança. Para ela, sim. Mas também para a humanidade. Outros grupos de resistência, com almas entre os humanos, se encontram. E muito mais parece estar para acontecer quando o livro termina. 


Postado por Renan Apolônio

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